Octavio Brandão 1977

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Octavio Brandão, meu avô*

 Marisa Brandão**


    Conheci Octavio Brandão ainda bem criança, convivi com ele dos três aos quase dezessete anos de idade. Não me lembro bem do início de nossa convivência, mas recordo que ainda bem pequena, cinco, seis anos, ele já era parte importante de minha vida. Rapidamente tornou-se muito mais que um avô, tornou-se um pouco pai, amigo e também meu mestre. As recordações são tantas, em tantos sentidos...


Octavio Brandão
Octavio Brandão


    No apartamento em que vivíamos, existia um comprido corredor, onde ele gostava de se colocar em uma das pontas e começar a cantar, pois assim havia certa acústica. Cresci ouvindo ele cantar música clássica - como as Danças Norueguesas e Danúbio Azul (acho que eram minhas prediletas, não necessariamente as dele) - cantigas populares do nordeste, a Marselhesa, a Internacional Comunista, marchinhas do Partido Comunista Brasileiro. Também gostava de recitar poesia e, um dia, fiz uma surpresa para ele, decorei e recitei uma poesia de Casimiro de Abreu que recordava sua infância (Meu oito anos), o que ele recebeu com enorme emoção.

    Morávamos em um condomínio que fica no caminho de uma favela, onde é preciso subir várias ladeiras. Muitas vezes, quando nossos vizinhos moradores da favela por lá passavam, alguns conhecidos, outros não, lhe pediam um copo d'água, pois o calor e o esforço de subir ladeira trazia muita sede. Sempre, ao dar água a água me falava da realidade e da miséria do povo brasileiro, principalmente do povo nordestino, sua origem. Sempre afirmava, com muito orgulho, que era um caboclo, descendente dos índios Caetés de Alagoas. Falava então de como era necessário compreender o povo e se solidarizar com ele; falava de suas andanças por Alagoas, depois no Rio, e mais tarde já no Partido Comunista. Contava como, desde Alagoas, tinha procurado estudar e compreender a realidade social (apesar de ter se formado em Farmácia) e ainda como, bem no início do século passado, tinha encontrado sua principal base teórica em Marx, Engels e Lenin.

    Era rigoroso, mas sempre com muito carinho. Em meio às suas críticas aos EUA, com coerência, criticava nossas atitudes (as de seus netos e outras crianças) como a de mascar chiclete, afirmando que não passavam de "americanices", que estávamos apenas copiando coisas ruins dos Estados Unidos. Quando vinham as férias escolares, um horário de estudos diário era estabelecido, mas sempre procurando me fazer perceber o prazer de aprender. O estudo de história na escola era muito deficiente, época que ainda cobravam que se decorasse datas e nomes, o que me era bastante difícil; mas em casa eu ouvia, com curiosidade e atenção, ele falar sobre a história que viveu e a história que aprendeu.

    Um dos episódios que eu mais gostava de ouvir era o de quando voltou da União Soviética, em 1946, após 15 anos de exílio, e, tendo de se candidatar a vereador, quase sem tempo para fazer campanha, foi muito bem recebido, por um lado, pelos antigos operários da Gávea, sua base eleitoral em 1928, mas também pelos filhos destes operários, que através de seus pais, conheciam a trajetória de Octavio.

    Ria muito quando contava de como sempre conseguira fugir da polícia porque, além de conhecer cada ladeira, cada escada, cada caminho do bairro de Santa Tereza, onde morava, também tinha técnicas especiais de disfarce. Lembro-me que lhe pedia para ensinar estas técnicas e ele, até o final, com mais de 80 anos, simplesmente respondia que não, pois poderia precisar utilizá-las de novo. Quando atravessávamos os arcos da Lapa, de bonde, mostrava o Batalhão da Polícia Militar que fica ali e, rindo muito, dizia que dezenas de vezes lá esteve preso e dezenas de vezes conseguiu sair!

    Foi assim que cresci, ouvindo-o contar episódios da história do Brasil e da União Soviética; falando de seus sonhos, desde muito jovem, sonho de um Brasil independente, sonho de um Brasil igualitário, sonho de uma humanidade unida e justa! Ouvindo-o dizer que deus não existe, e que um mundo justo só se alcança através da luta política, luta que necessita de só se alcança através da luta política, luta que necessita de sólida base teórica. Sempre me dizia: "você precisa ler Marx, Engels e Lenin" (ele falava exatamente nesta ordem), Defendia, até o final, a Revolução Russa, o processo revolucionário, no Brasil e no mundo, a luta pelo socialismo e pelo comunismo.

    Sem dúvida, Octavio Brandão deve ter cometido erros, políticos e teóricos; sem dúvida sofreu muito, foi criticado e criticou quando necessário - e possível -, mas nunca observei nenhuma nuance de arrependimento em sua face, em suas rugas, em seu largo e acolhedor sorriso, em seu forte abraço, em sua contagiante alegria pela vida.




    Divulgar a primeira tentativa de interpretação marxista da realidade brasileira significa reafirmar as ideias teóricas e políticas de Marx, significa reafirmar seus ideais comunistas; ideias e ideais aos quais Octavio Brandão desde jovem se dedicou. Publicar Agrarismo e Industrialismo agora, quase 80 anos depois de sua primeira edição, é, portando, uma maravilhosa homenagem à vida e luta de Octavio Brandão. Mas parece que a grande homenagem que esta publicação traz, aquela a que ele certamente agradeceria com toda emoção, é a de saber que, mesmo com toda força destrutiva exercida pelo capitalismo, os sonhos e lutas, aos quais dedicou sua vida, continuam vivos.

* Artigo introdutório publicado na 2ª edição de Agrarismo e Industrialismo, Editora Anita Garibaldi, 2006.

** Marisa Brandão, filha de Dionysia Brandão e neta de Octavio Brandão, é professora de Sociologia do CEFET-RJ.


 


segunda-feira, 22 de julho de 2024

Festa Julina e Forró no CCOB

A tradicional Festa Julina promovida pelo Centro Socialista dos Trabalhadores do Judiciário (CESTRAJU) e Centro Cultural Octavio Brandão (CCOB) acontece no próximo sábado, 27 de julho, a partir das 15 horas, animada pelo excelente forró pé de serra com a banda Trio de Janeiro.


Entrada franca.
Se for possível, colabore trazendo um prato de doces ou salgados típicos para a mesa comunitária.

Endereço: Rua Miguel Ângelo, 120, entrada pela portão da rua Francisco Neiva nº 37 - Próximo da Estação Maria da Graça do Metrô Linha 2.


 



terça-feira, 11 de junho de 2024

Cineclube CCOB

Codinome Clemente

Dia 22/06, sábado, 15:30 h.


Carlos Eugênio Paz, o comandante Clemente da ALN. (Foto: Jorge Mansur)

Documentário sobre a vida do comandante guerrilheiro da Ação Libertadora Nacional (ALN), Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz, o "Clemente". Após a exibição do filme teremos uma palestra com nossa convidada, Valéria Sarmento Coelho da Paz, a "Belela", irmã de Carlos Eugênio.

Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz (23 de julho de 1950 - 29 de junho de 2019) foi um estudante do Colégio Pedro II, soldado do Exército brasileiro, torcedor do Flamengo, músico, professor de música e escritor. Mas foi, principalmente, o "Comandante Clemente", da Ação de Libertação Nacional (ALN), a maior organização guerrilheira da luta armada após o golpe de 1964. Clemente sucedeu no comando da ALN a Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, o "Toledo", ambos assassinados pela ditadura.

Foi o único comandante da ALN que não foi assassinado pela ditadura militar, como, infelizmente, foram Carlos Marighella (1969), "Toledo" (1970), Luiz José da Cunha ("o comandante Crioulo", 1973) e o amazonense Thomaz Antonio da Silva Meirelles Neto (1974). O preço pela sua cabeça chegou a ser estipulado pelos assassinos da ditadura militar em um milhão de dólares, em 1971.

Autor de dois livros sobre a luta armada e sua participação na mesma ("Viagem à luta armada" e "Na trilha da ALN"), Carlos Eugênio Sarmento Coelho da Paz esteve proferindo palestras no Centro Cultural Octávio Brandão, em 2011 e 2014. Sua vida já tinha baseado o excelente filme "Cabra Cega" (2005) de Toni Venturi, um dos melhores sobre o período.

Infelizmente, "Clemente" faleceu em 2019, não podendo acompanhar o lançamento do filme sobre a sua vida, "Codinome Clemente", sob a direção de Isa Albuquerque. O filme começou a ser produzido em 2017, dois anos antes da morte de "Clemente".

Belela

Esse é o filme que o Centro Cultural Octávio Brandão apresentará no dia 22 de junho, sábado, 15:30 h. Na ocasião contaremos com a presença de Valéria Sarmento Coelho da Paz, "Belela", irmã de Carlos Eugênio, Bancária do Banco do Brasil aposentada, militante de todas as lutas de sua categoria e da classe trabalhadora. "Belela", assim como no filme, dará o seu depoimento sobre a película e sobre aspectos da vida do grande lutador que foi o seu irmão. 

Codinome Clemente: direção de Isa Albuquerque, 2020, duração 139 minutos.

CCOB: Rua Francisco Neiva 37, esquina com rua Domingos de Magalhães, Maria da Graça, próximo da estação do Metrô.